O limite é você quem faz – 75 km Maratona de revezamento Bertioga -
Maresias 2015 - SOLO
Tudo começou há exatos três anos atrás, quando fiz minha primeira
maratona em São Paulo capital, e meses depois a etapa da maratona de
revezamento 75 km Bertioga – Maresias daquele ano. Já participava desta prova com
a nossa “equipe latinha” um grupo de 6 amigos corredores, por pelo menos sete
oportunidades. Porém neste ano, despertou a vontade em me aventurar nesta
prova, como solo, e tentar desafiar a montanha, a temida serra de maresias.
Já havia subido a serra em três oportunidades, mas nunca
depois de correr 65 km. Por sinal, esta era minha principal dúvida. Seria
possível correr a serra inteira sem parar, depois de percorrer 65 km de praia,
asfalto, areia dura, areia fofa, trilhas, lama, riachos com água até o joelho?
Ano de 2015, chegou a hora. Perguntei para minha esposa: -“se
eu fizer uma loucura você me apoia?” Como a maioria das pessoas respondiam à
este questionamento ao longo destes meses de preparação, as palavras dela não
poderiam ser diferentes: você é louco? 75 km correndo? Meu deus do céu, você só
pode estar brincando! Mas se é seu sonho, seu objetivo, está apoiado.
Não sou nenhum maluco imaturo para encarar esta prova sem no
mínimo três meses de treinos específicos para ela, e foi o que fiz. Treinei
todos os dias da semana com apenas um dia de descanso semanal, musculação duas a
três vezes por semana, muitos treinos em rampa e esteira inclinada, muitos treinos
longos solitários, treinava debaixo de chuva, abdiquei da minha família, dos
passeios nos finais de semana; mas valeu a pena, estava preparado. Minha
intenção na realidade, era de terminar a prova bem, e se possível, tentar fazer
abaixo de 8 horas. Prometi para minha mãe e minha esposa que se não me sentisse
bem iria parar e desistir.
Tudo pronto mochila de hidratação, sanduiches, barras de
proteína, gel, advil para emergência, sal, isopor com isotônico, água de coco,
cerveja para o brinde final, se tudo corresse bem.
Minha esposa Priscila iria me encontra com o carro de apoio
estrategicamente nos PC3, PC5 e PC7 suprindo a bike com alimentos e bebidas e
levando tênis de troca para o trecho após o rio. Pedrinho, meu apoio de bike, só
iria começar a me acompanhar após o PC3 (23 km) de prova.
Largamos pontualmente às 6:00 h da manhã, muito escuro, mas
com um início de amanhecer meio rosa alaranjado, uma mistura de nuvens brancas
claras com o azul, maravilhoso.
Eu estava ali, como mero coadjuvante da prova, logo imprimi
meu ritmo planejado e que iria cumprir durante toda a prova, que era de 5’20”-
5’30” por km. Logo no início uns 25 a 30 corredores sumiram no horizonte, imprimindo
um ritmo forte, mesmo porque o primeiro trecho de 10,8 km é uma praia reta (indaiá)
que parece que não acaba nunca.
Chegando ao primeiro PC, a galera começou a aplaudir, muitos
gritos de incentivo, vai lá guerreiro, força, show...confesso que achei aquilo
tudo muito novo e diferente, me achei importante e fiquei feliz e grato. Mas
somente no final da prova entenderia o sentido exato desta manifestação de
apoio.
Continuei em frente no meu ritmo e curtindo, aproveitando
muito a prova, o trajeto é lindo a natureza é explicita, o ar é puro, e deus é
presente em cada centímetro do percurso, impressionante.
Passei pela Riviera de São Lourenço, PC2 e pelo trecho de
mata em que tem um riacho com a água até o joelho, que para minha surpresa
estava seco desta vez, mas de qualquer forma o tênis estava encharcado, pois
haviam vários córregos que deságuam na praia, pelo caminho. Chegando ao PC3
encontrei minha amada esposa, e meu fiel escudeiro Pedrinho pronto com sua bike,
troquei o tênis molhado, reabasteci a mochila de hidratação com água, comi um
sanduiche já correndo e fomos embora.
Passamos pelo condomínio de Guaratuba e agora entraríamos em
um trecho que marca a metade da prova, é um trecho que testa o seu lado
psicológico, são 14 km interminável, que sai de Guaratuba até a Juréia é muito
longo e deprimente. Deu tudo certo.
Agora é que começam as
subidas, curvas, areia fofa , foram mais 9,7 km até o PC6 em Juquey, encontrei
minha esposa comi umas batatas cozidas, mas perdi meu apoio de bike pois na
areia fofa acabou ficando para trás e iria me alcançar somente no trecho
seguinte rumo a Cambury.
Uma subida muito íngreme se apresenta no inicio deste trecho
e em seguida uma descida do mesmo porte, para depois começar uma reta de
asfalto interminável. Eis que surge Pedrinho, e me informa que todos estavam
comentando que eu estava entre os 10 primeiro colocados na prova de solo, juro
que fiquei surpreendido e comentei que ele estava equivocado, pois mesmo passando
por vários concorrentes com problemas, seria impossível tal colocação, mas
prossegui com minha intenção na prova que era só completar bem. Agora só
faltavam pouco mais de 18 km para finalizar a prova, e eu estava me sentindo
bem e conseguindo manter o ritmo determinado desde o inicio da prova, já estava
satisfeito, e no lucro.
Continuava passando
pelos PCs e o pessoal aplaudia, gritava
e incentivava, todos os corredores do
revezamento que passavam por mim desejavam força e boa prova, era o que ia me
empurrando e impulsionando na prova.
Cheguei ao PC7 em Cambury, quando minha esposa me viu não
acreditou, pois em vez de eu ficar mais lento e cansado, eu estava passando mais rápido e inteiro, e
agora só faltavam mais 10,9 km para o final da prova e chegada a Maresias.
Achei prudente o Pedrinho a partir de agora colocar a Bike no carro e seguir
para a chegada em Maresias, pois sabia das dificuldades da serra e ele pouco poderia
fazer por mim lá em cima. Que nem falei no começo deste relato da temida serra
de Maresias, respeite a serra, pois ela não poupa ninguém, é cruel e
implacável. Dizem: “Lá nas suas subidas e curvas, é onde a criança chora e a
mãe não vê”.
Estava bem física e emocionalmente, e diferente da maioria
dos corredores eu adoro subidas e me divirto nelas, e treinei muito para este
momento. No começo tem um ponto de água oficial da prova e o staff muito
simpático ao me entregar água disse: você está bem, tem um corredor à sua
frente que está com a língua de fora, e
se você se manter assim pega ele fácil, além do que você é o quinto ou
sexto colocado da prova solo. O que? Eu praticamente parei de correr e voltei
ao seu encontro. “Como assim sou o quinto ou sexto da prova”. Ele disse: “sim
no máximo sexto”. Agradei, tomei um gole de água e mentalmente refiz a pergunta
que me incomodava fazia três meses: “será possível subir a serra inteira correndo
sem parar, depois de correr 65 km”. Sim era possível.
Logo no início passei o corredor, dito estar com a língua de
fora, lhe desejei um bom dia e boa prova, continuei subindo sem parar, assim
como um senhor havia me ensinado a subir esta temida serra a uns quatro anos
atrás, na primeira vez em que a desafiei: “suba sem olhar para cima, senão você
desiste, outra coisa, não levante muito os pés, se incline um pouco para frente
e use os braços de alavanca, como se estivesse esquiando”. Jamais esquecerei este
senhor e suas experiências nas subidas. E lá fui eu, na metade da subida da
serra passei mais um corredor e fiquei em êxtase, pois agora eu poderia ser o
quarto colocado, eu que nunca imaginara em uma prova dura e longa como esta,
nem chegar entre os 30 primeiros colocados, quanto mais entre os cinco
primeiros. Continuei subindo com garra e os olhos lacrimejando e não
acreditando que isso seria possível. Pensei, o Pedrinho estava certo, filho da
mãe, tinha razão, viajava nos pensamentos, quando de repente um Jeta branco para ao meu
lado buzinando com um pessoal com o corpo para fora da janela, começam a gritar,
bater no carro, uma mistura de incentivo, berros, e de não acreditarem que eu
já estava no topo da serra, eram
Gustavo, Alexandre, Beto e Marco Aurélio, meus amigos da “equipe latinha”.
Neste momento confesso que algumas lágrimas escorreram pelo
meu rosto se misturando ao suor intenso.
Venci a subida, agora o pior estava por vir, o que mais temo
em uma subida é o que vem depois dela, a descida. Respirei fundo e fui, desenfreado,
deixando para trás toda técnica que aprendi e prudência que devemos ter nesta
hora delicada em que qualquer erro pode ser fatal e colocar toda a prova em
risco. Fazer o que, continuei acelerando
mais, os passos cada vez
mais largos. Eis que neste momento ocorrem mais duas surpresas
na minha frente, primeiro um corredor desce andando e o deixo para trás rapidamente,
e ao final das últimas curvas, mais um corredor que mal andava, se arrastava, ele
ainda me desejou parabéns e boa sorte. O legal nesta corrida é a união e
incentivo de todos os corredores um para com o outro, é o que faz o sucesso da
prova. Corri mais ainda, e agora sim, tinha a certeza que um pódio era possível.
Quando finalizei a serra, e virei para entrar no último km da prova na areia
fofa, uma última staff me parabenizou e disse: -”você é o terceiro colocado do
solo”, daí não consegui controlar a emoção comecei a querer chorar, meu coração
começou a bater forte, já não sentia mais nada, de repente a emoção foi
interrompida, comecei a correr na areia
fofa de Maresias, e por ter descido muito rápido a serra, minhas pernas mau me
obedeciam, senti vontade de parar de correr pela primeira vez na prova,
pensei...não agora não, diminui o ritmo, e fui vendo o pórtico de chegada lá
longe.
Quando me aproximei visualmente da chegada, ninguém na areia
sabia quem estava em terceiro lugar, foi quando o locutor da prova anunciou: -“e
atenção está chegando o terceiro lugar categoria solo”,quando todos se viraram
para o horizonte, eu estou chegando, foi uma explosão de alegria, os amigos
gritavam euforicamente, uma mistura de palavrões, xingamentos, berros e sei lá
mais o que, minha esposa foi ao meu encontro meio sem acreditar, pulava
freneticamente, eu olhei para o céu, levantei os braços, apontei os dedos e
agradeci à todos lá de cima, bati a mão na mão da minha esposa, e em um por um
dos meus amigos que ali estavam, fiz o sinal da cruz, e passei pela linha de
chegada -”aquele abraço atleta número 28, parabéns, bela prova” disse o locutor
já ao meu lado, gente, o número 28 era o meu número, o número do dia do
aniversário da minha esposa e do meu avô falecido. Agora sim caia a ficha do
que eu havia alcançado, agora sim eu entendera todos os aplausos no PC1, em que
todos diziam força guerreiro, garra, vamos lá, você consegue.
Agora sei o verdadeiro significado da palavra SURVIVORS, agora
entendo que para ser um ultramaratonista não basta apenas querer, tem que
treina, se dedicar, ser humilde, respeitar a prova e sua temida serra de
Maresias, e respeitar também, e principalmente os seus oponentes e amigos
corredores.
Agora assim, acabara de ter a maior lição de vida que um ser
humano pode ter através do amor ao esporte, respeitar e ser respeitado, querer
e poder, ir até, mas não ultrapassar o
seu limite. Hoje posso dizer: “sou um SURVIVORS“.
Por Icaro Júnior – 30/05/2015 - 75 km Bertioga – Maresias –
SOLO -2015.